Resumo
A memória não sobrevive se seu suporte material for destruido,se sua forma concreta de ser evocada no presente não mais existir.Se os objetos que nos ligam ao passado e articulam a nossa permanência no mundo como continuadora de uma tradição,desaparecerem ou se tornam objetos de simples consumo,a própria cultura também desaparecerá.
A ligação essencial entre o nosso presente e passado,que é informado pelos nossos antepassados,enraizada no universo do simbólico e do material a nossa volta que não se resume à interpretação do passado mas cria o sentido do presente e as expectativas do futuro,que pode ser percebida nas narrativas que enunciam a passagem do tempo e da experiência que os indivíduos tiveram desta passagem, da percepção mesmo que o tempo muda não é igual enraizasse e pode ser evocada a partir dos objetivos que nos rodeiam.
A memória enraíza-se no espaço que nos rodeiam, na terra, nos objetos que usamos permitem relembrarmos.Os que tiveram contato com o um tipo de brinquedo por exemplo bilboquê, lembran-se dele, podem contar a sua trajetória,seu formato, como foi feito onde foi usado,e para que serve. Os brinquedos de hoje vêm de qualquer lugar, talvez por isso tem pouco valor simbólico e pareçam com tanta facilidade na vida das crianças.Não reconhecemos nestes objetos produzidos por mãos, e em lugares que não conhecemos os valores da manutenção da memória e da cultura.
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Dupla desvenda desafios da história no mundo contemporâneo
No décimo encontro do curso de altos estudos Fronteiras do Pensamento, o francês Roger Chartier e a gaúcha Sandra Pesavento falaram sobre história.
Estudioso da história do livro e da leitura, Chartier partiu da relação entre as dimensões narrativas e retóricas da história. O fato de o historiador também ser um escritor – pois escreve a história – faz com que trabalhe com as mesmas estruturas e figuras de uma narrativa de ficção. O reconhecimento dessa íntima ligação com a ficção configuraria um dos desafios atuais da história. “Embora a história compartilhe das mesmas formas que a imaginação, sua verdade é diferente do mito, da ficção ou da literatura”, ressaltou. O diálogo entre história e escrita evidenciaria um paradoxo – o real e o discurso –, o que acarretaria um debate sobre as oposições entre a história como discurso e a história como saber.
As representações do passado podem ser construídas através da memória, da história ou da literatura. “A literatura faz uma representação do passado, muitas vezes mais eficiente do que a representação oferecida pela história, e é isso que devemos investigar.” A memória é carregada por comunidades, é a existência do passado no presente para construir seu saber coletivo. Também é vista como a matriz da história – sua evidenciação pelo testemunho da referência do objeto estudado pelo historiador. Já a literatura não se apropriaria apenas do passado, mas da aparência do passado, criando uma ilusão como pura produção de um discurso ou um fato verossímil que ocorreu ou que poderia ter ocorrido. “A captura pela ficção da técnica histórica pode gerar a construção da ilusão do real, que pode levar à crença da existência de determinado personagem que nunca existiu”, observou Chartier ao referir-se à novela Jusep Torres Campalans, escrita por Max Aub, que mistura realidade e ficção.
Outro desafio a ser digerido pela história é a informatização de fontes. A pesquisa estaria ganhando alta mobilidade devido a links intertextuais, diferentemente dos textos escritos linearmente em uma página. A nova ferramenta possibilitaria ao leitor consultar os mesmos textos e refazer o percurso de pesquisa do historiador, modificando a relação entre ambos. No livro de história está embutido um pacto de confiança, pois o leitor não tem acesso a documentos utilizados pelo historiador, mas com a tecnologia o leitor se coloca no lugar do historiador e pode fazer seu próprio julgamento. “A digitalização de textos, documentos e fontes dá meios de criticar e questionar o discurso do historiador de uma forma que não existia antes.”
Sandra Pesavento descreveu a atualidade como a era da dúvida, do fim das certezas explicativas. A partir da fragmentação do mundo, fazem-se necessárias novas questões para enxergar a realidade. Nesse contexto, a professora titular de História do Brasil da UFRGS levantou a “identidade da história”: uma narrativa que presentifica o tempo passado; a fala autorizada sobre o passado não experimentado; a matéria-prima que não é enxergada, mas em que o historiador trabalha; ou um terceiro tempo, nem passado e nem presente. “Descobrimos que os tempos são múltiplos, não são únicos e transitórios em sua percepção, tudo que é dito poderia ter sido contado de uma outra forma – isso não é uma vulnerabilidade da história, mas um desafio.”
Três elementos pesariam sobre essa reflexão: verossimilhança, incorporação das sensibilidades do passado e abertura do campo das fontes. A história se propõe a explicar um tempo que já passou, e a expectativa é que a explicação corresponda à verdade do acontecido. Entretanto, o discurso do historiador tende a ocupar o espaço do fato acontecido, marcando a diferença entre o que aconteceu e o relato do que aconteceu. “Ao historiador é negada a alegria de quem rememora, de quem tem certeza, resta a ele o conforto da verossimilhança.” A impossibilidade de narrar a verdade absoluta dos fatos não significa que os historiadores tenham abandonado sua missão, mas, como Sandra colocou, a verdade é a busca e o horizonte é a verossimilhança.
O segundo elemento, a incorporação das sensibilidades, ajudaria o historiador a compreender o homem estrangeiro do passado, que falava línguas diferentes e que matava e morria por causas diversas das atuais. “A literatura é uma fonte por excelência, é uma porta de entrada para razões e sentimentos, e tem sempre o real como referência, seja para satirizá-lo, para criticá-lo.” Na opinião da historiadora, a história aproxima-se da literatura, tem enredo, estratégia argumentativa e metáforas, mas a diferença é que na primeira tudo deve ter de fato acontecido.
Fontes, para historiadores, são vestígios materiais visíveis que chegaram do passado ao presente. Hoje, porém, com o aumento das questões, multiplicaram-se as fontes. As imagens devem ser incorporadas como novas fontes, embora ainda enfrentem resistência por serem consideradas fruto da ação humana realizada com um sentido. “Imagens são transmissoras de memória social, mas são visuais, e historiadores contam com textos.” Apesar do desafio imposto pela distância entre o fato e a memória, a professora acredita que a oralidade (vozes, depoimentos) deve ser apropriada como fonte.
Ao finalizar, Sandra saudou esses novos desafios, que podem tornar a história mais difícil de ser feita. “Talvez a história de hoje tenha menos certezas e mais dúvidas, mas enfrentar coisas difíceis é o que melhor pode acontecer à aventura do conhecimento.”
Texto por Kerley Tolpolar
Site:www.copesulcultural.com.br
Noticia 2 lorambi- sentido meio-ambiente
O Património rural como problema e ideologia
A identidade encontra-se profundamente ligada à memória. Enquanto informadora da memória dos povos ,e, dando a conhecer a vivência real do passado, a História desempenha um papel fundamental como factor de coesão ou dissociação quando se estabelecem projectos de intervenção no Património. O seu propósito é precisamente compreender a realidade após um tratamento rigoroso dos acontecimentos e fenómenos investigados. Isto significa, em última análise, que não é a realidade histórica que perdura, o que perdura é a imagem, sob a forma de Património móvel e imóvel, que ficou dessa mesma realidade, transformada em História.
Mas a definição e os contornos de intervenção no Património nacional regional não dependem somente da emissão de pareceres ou regulamentos; dependem também de quem os recebe e aplica, mas sobretudo do resultado final da complexidade de relações entre poderes culturais locais.
Actualmente, estes valores são articulados com matérias relativas ao património arquitectónico através da reafectação/reutilização dos imóveis, problemas ambientais e afirmação da paisagem a reabilitar- o que alarga a ideia de património edificado, não como peça isolada, mas como um problema das comunidades e do bem-estar geral. Verifica-se a atracção por um sistema patrimonial mais vasto, não só sendo dada atenção à envolvente imediata, mas a toda a vida material e simbólica que lhe é inerente, conferindo-lhe uma paisagem mais humanizada e criando uma envolvência como património “de proximidade” .
Partindo do pressuposto que a comunicação é o elemento que retarda, mantém ou acelera o processo de relacionamento e interacção social, o melhor ponto de partida talvez esteja, para além da necessária despersonalização de interesses, a reformulação do discurso politico–cultural ,apostando numa maior transmissão de informação essencial sobre o que é e o que vale o “Património Cultural”, por parte dos agentes responsáveis por ele ao nível nacional.Urge divulgar interesses e valores quanto à herança comum e perspectivas quanto ao futuro ou futuros possíveis para ela. Pois se, na actualidade, assistimos à destruição do Património rural é porque a política de conservação ainda não foi digerida com assertividade efectiva tendo em atenção a opinião pública enquanto fundamento essencial da intervenção no Património.
É, sem dúvida, necessário implantar uma sinergia que reproduza uma dinâmica que dê a conhecer globalmente a validade do conceito de Património Cultural e em que se encontrem disseminados os motivos que justificam um sistema de cooperação de toda a sociedade. Para isto, é crucial a criação de apoios mais eficazes à divulgação do Património Cultural local, com a produção de informação concreta e acessível como palestras, notícias, filmes históricos e documentários sobre as mais variadas facetas da realidade social e cultural local ou a realização de eventos culturais de impacto mediático ao nível nacional - veja-se o exemplo de sucesso na ordem do dia- a “Selecção das sete Maravilhas de Portugal”-aberto às mais variadas manifestações culturais.
Apesar de se verificar uma gradual evolução através de novos programas de reabilitação e valorização, ou aperfeiçoamento dos já existentes e uma maior consciencialização para encarar o Património como um projecto comum de cidadania, há um papel importante a cumprir para o entendimento do nosso Património como gerador de qualidade de vida. Esta perspectiva de esclarecimento social carece de apoio e afinco por parte das entidades públicas e dos próprios especialistas, que podem claramente ter um papel mais activo na sensibilização da comunidade, criando um lugar-comum de perspectiva integrante do nosso legado historico-artistico e dando a entender o Património na sua essência - interpretar e analisar o que fomos e o que somos, enquadrando-nos no nosso tempo.
Vanessa Henriques Antunes
Conservadora-restauradora
Noticia 3-Mais uma usina mudando o Tocantins - UHE Peixe
A UHE Peixe - Angical é mais um degrau que transforma o rio Tocantins em uma escadaria de grandes represas, eliminando o fluxo das correntezas, da fauna e flora aquática e terrestre, eliminando vastas áreas de matas, cerrados, com suas populações, culturas e meios de vida, bem como todos os vestígios da ocupação e da cultura Humana pré-histórica Brasileira.
A represa Peixe - Angical atingirá 120km rio acima seguindo o rio Maranhão e atingindo mais 70km do rio Paranã, bem como inúmeros rios, córregos e vales. Esta região quase não estudada, é considerada como fundamental para a compreensão da ocupação pré-histórica humana dentro do Brasil, da migração entre a Amazônia e o Planalto Central.
O Estudo de Impacto Ambiental, na área de arqueologia, foi de pouca profundidade (os executores do estudo arqueológico alegaram falta de veículo, equipamento e tempo!), documentando fracamente apenas duas localidades de inscrições rupestres e mais algumas de cerâmica e pedra lascada, e uma casa histórica, nesta vasta área que começa a ser inundada.
O Presidente Lula inaugurou, pela mídia, o fechamento da primeira comporta ... como se fosse eliminar preventivamen- te os principais vestígios humanos antes que fossem levados ao conhecimento público. A mídia nacional é altamente censurada nestes assuntos pelas grandes empresas nacionais(leia-se: transnacionais) que dominam os noticiários e mandam" no nosso país e no nosso governo.
Em visitas particulares, encontramos inúmeros outras inscrições não documentadas, incluindo este fantástico painel da Pedra Santa Cruz. Se estes atos irresponsáveis que ignoram nossos interesses nacionais são ou não são crimes, não importa, já estão feitos, como foram as UHEs Serra da Mesa, Canabrava, etc., etc., em todo o Brasil.
Devemos, para o presente e o futuro, avaliar a legitimidade e a legalidade de se destruir nosso Patrimônio Histórico, Natural e Cultural Humano Nacional, sem consulta pública adequada, e sem estudo, documentação e resgate responsável do que está sendo perdido/destruído, como demonstram estes registros fotográficos amadores de parte da nossa origem histórica, que até hoje permanece um grande mistério.
Há de se questionar, na Conferência Nacional do Meio Ambiente (Brasília, 10 a 13 de dezembro, 2005), este nosso rumo e esta nossa forma de fazer as coisas. Há de se analisar esta forma de "governar", em cima de informações e relatórios falsos e omissos, que levam a licenciamentos fraudulentos, e que resultam, por exemplo, dos vínculos históricos da ANEEL com FURNAS S/A - hoje empresa privada, atendendo a interesses internacionais de exportação de nossos bens primários, como minério, energia, soja, etc.
Acabamos importando estes mesmos materiais em produtos manufaturados, dezenas de vezes mais caros, e pagamos socialmente com desemprego, fome e miséria Humana, com a destruição ambiental, e formando anéis de novos excluídos no entorno das cidades. Nós, cidadões e moradores na cidade e no campo, é que pagamos por isto, e, coletivamente, carregamos também a culpa da omissão e da conivência.
Incluo também o texto "Cuidado com a Chapada", em forma de poesia pré - póstuma, pois aqui também a destruição e a ocupação desordenada se acelera incontrolavelmente, devido principalmente às políticas, os projetos e os licenciamentos dos três níveis de Governo. O texto também serve para a apreciação do outro lado Humano, da vontade de respeitar, preservar e cuidar do nosso meio ambiental de sustentação da vida coletiva. Apagar o que foi nosso passado certamente nos deixa cegos para o nosso futuro.
Portanto, precisamos abrir nossos olhos hoje se quisermos enxergar um futuro confortável e eqüitativo para cada um e para todos. Projetos que prevêem uma vida útil de 30, 50, 80 anos não servem para o sustento das nossas gerações futuras, para a sobrevivência e o conforto dos nossos netos e bisnetos. Já estamos entrando no período da colheita dos atos e das decisões políticas "governamentais" setoriais dos últimos 500 anos (pouquíssimo tempo na história Humana), que ignoraram o nosso futuro coletivo, nossos dias de hoje. Evidentemente, não podemos continuar assim.
Mas o resultado disso tudo certamente será uma profunda mudança política, econômica, social e pessoal espontânea, que nos levará a querer compartir, conservar e usufruir todas as maravilhas do Planeta de forma racional, em respeito à nós mesmos e à coletividade da Vida.
(www.ecodebate.com.br) Fonte Jornal da Biosferahttp://www.jornaldabiosfera.com.
Notícia 4- ANGRA DOS REIS: PORQUE OLHAR PARA O PASSADO?
Lia Osorio Machado, UFRJ
Angra dos Reis é uma das mais antigas áreas de ocupação do litoral fluminense e da costa atlântica brasileira. Localizada numa estreita faixa terrestre entre a baia da Ilha Grande e a escarpa da Serra do Mar, seu território é recortado por penínsulas e enseadas, onde as montanhas e os costões e a presença do verde da Mata Atlântica constituem a paisagem dominante, as praias e as planícies aluvionais ocupando os interstícios permitidos pelo relevo movimentado. Por certo, o Dicionário Aurélio nos lembra que Angra é uma palavra portuguesa para designar "uma enseada ou pequena baia, largamente aberta, que aparece onde há costas altas".
Desde a época colonial, a área terrestre dominada pela presença da Serra do Mar contrastava desfavoravelmente com as excelentes condições oferecidas pela baia da Ilha Grande e seu conjunto insular, o que estimulou o desenvolvimento das funções portuária e pesqueira, atividades que caracterizaram Angra dos Reis por quase quatrocentos anos. Apesar do determinismo ambiental que essa descrição sugere, a evolução posterior do povoamento desmente tal simplificação.
As sucessivas gerações dos habitantes de Angra, cada uma a seu momento e a seu modo, lutaram por superar condições freqüentemente adversas à sua permanência no lugar, criando uma trama de relações geográficas bastante complexas. Se a visão microscópica - que nos permite entrever os detalhes da organização local através dos tempos - é essencial para captar a complexidade da vida social e territorial, essa organização só pode ser entendida quando complementada por uma visão macroscópica, isto é, pelo estudo das relações do lugar com o espaço geográfico bem mais amplo onde está inserido e que, no caso de Angra, é potencializado por sua função portuária.
Foi isso que me levou a pensar a história de Angra como uma história profundamente ligada aos seus meios de comunicação com o exterior, ou seja, com tudo aquilo que não lhe é próprio. Isso não é negativo. Ao contrário, a abertura de uma comunidade para aquilo que lhe é estranho, mesmo que entranhe dificuldades e riscos, é o meio mais eficaz de assegurar sua vitalidade, evitando a desordem maior da estagnação.
Conciliar a vontade de comunicação externa com a proteção da Mata Atlântica é hoje um dos desafios da comunidade, pois se reconhece que a floresta é um patrimônio público que pode preservar a qualidade ambiental do lugar. Mas nem sempre foi assim. No passado não muito distante a Mata Atlântica era vista como um problema, um obstáculo a ser superado, para que a população pudesse gozar dos benefícios da comunicação com outros lugares do Brasil.
Qual o sentido de dirigirmos o olhar para o passado? O Velho Testamento sugere que quando olhamos para trás podemos virar uma estátua de sal, talvez para lembrar que a vida do ser humano é muita curta para que ele perca tempo na contemplação do passado, ou porque olhar para trás pode paralisar a ação de tal modo que não será possível seguir adiante. Isso tem um sentido bastante concreto para os brasileiros porque o nosso passado, até o final do século XIX, esteve marcado pelo signo da escravidão. Será a escravidão, talvez, o motivo do desprezo pela memória histórica e da nossa dificuldade em considerar o passado como patrimônio da nação.
Quando queremos saber algo sobre a evolução histórico-geográfica de Angra dos Reis, isto é, sobre as mudanças pelas quais passou o lugar, o que se está buscando é uma melhor perspectiva do nosso próprio tempo e do nosso próprio lugar, quer dizer, queremos compreender os caminhos seguidos pelas gerações que nos precederam, coletividades que, assim como a nossa, conheceram o êxito e o fracasso, a generosidade e a perversidade, acumulando e desperdiçando oportunidades, construindo e destruindo coisas, lutando por determinadas coisas e desprezando outras.
Existem outras motivações igualmente enriquecedoras quando se examina o passado histórico: ao conhecer, por pouco que seja, como era o lugar no passado, descobre-se que nada permanece igual para sempre, nem o bom nem o ruim; é possível visualizar como as tramas são criadas e como são desfeitas; permite exercitar a imaginação, algo imprescindível quando se quer pensar o futuro. Observando hoje o vale do Ariró, ocupado por grandes manguezais, parece difícil imaginar que o vale já foi uma importante via de comunicação com o interior do Brasil, ocupado por plantações e destilarias de aguardente, passagem de tantas tropas de mula que as ferraduras abandonadas no atoleiro de lama das trilhas eram suficientes para alimentar de matéria prima pequenas fundições artesanais na região, como escreveu Honório Lima em 1889.
Por outro lado, menosprezar o passado multiplica as lendas e reduz a real possibilidade do conhecimento. Não se está afirmando que lendas não valem nada e sim que elas, por si só, são insuficientes para darem conta do passado. Lendas fazem parte da história e da geografia de um lugar, constituindo um rico material para a pesquisa. Com a sutileza e a imaginação características das crenças populares, apontam para coisas muito concretas, relacionadas à vida das populações, de seus sonhos e de suas frustrações. A lenda sobre a ilha de Jorge Grego, por exemplo, indica a dura realidade do isolamento e da arbitrariedade dominante nas sociedades coloniais, ao mesmo tempo em que nos lembra que todas as sociedades apresentam problemas que nem sempre afloram a superfície. Da mesma maneira, a lenda sobre um passado de riqueza na velha Mombucaba nos indica a importância das grandes construções como símbolos de poder, muito embora as condições reais que lhe deram vida possam ser bem mais modestas.
Dialogar com o passado, enfim, além dos motivos já apontados, tem hoje um sentido econômico. Apesar dos lugares partilharem traços comuns, cada lugar tem sua originalidade, na medida que seus habitantes saibam reconhecê-la e aprendem a valorizá-la. A história de cada lugar é uma fonte quase inesgotável dessa diferença em relação aos outros lugares, e é essa diferença que permite criar uma "imagem de marca", aquilo que confere valor às suas características únicas, algo de crescente importância nas sociedades de hoje, dominadas pelos meios de comunicação de massa.
Noticia 5-
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO NA PENA DE JOHN RUSKIN E ALEXANDRE HERCULANO
Dulce Melão *
Men of perfect genius are known in all centuries by their perfect respect to all law and love of past tradition: their work in the world is never innovation but new creation; without disturbing for an instant the foundations which were laid of old time
John Ruskin1
O passado! Quem mais o amou do que eu nesta terra? Quem volveu nunca os olhos com mais saudades para as suas tradições?
Alexandre Herculano2
1. Introdução
Alexandre Herculano (1810-1877) e John Ruskin (1819-1900) conferiram uma nova vitalidade ao passado, entretecendo-o de ficções e realidades que cativaram os leitores do seu tempo e lhes abriram novos horizontes. Se é certo que não foram os únicos a lançar mão do passado para sanar os males do seu século, o modo como exploraram tal filão, metamorfoseando épocas passadas numa amálgama rica em tradições inovadas, merece um olhar atento.
Ruskin foi muitas vezes guiado por Walter Scott quer em termos pessoais, quer em termos da obra que produziu, considerando a Idade Média a época que mais riquezas trouxe à humanidade. Herculano, como é sabido, inspirou-se em Scott para criar o seu romance histórico e nunca escondeu a sua admiração pelo escritor Escocês. Tal como Ruskin, Herculano não poupou elogios à Idade Média demonstrando, quer nos seus romances históricos, quer em diferentes momentos da sua vida nas reflexões que deu a lume, ser essa a posteriormente publicados no segundo volume dos Opúsculos sob a designação de "Monumentos Pátrios." O objectivo de Herculano é não só "erguer um brado a favor dos monumentos da história, da arte, da glória nacional" (Opúsculos, I:181) como também denunciar o "instinto bárbaro, a malevolência selvagem, a filosofia da brutalidade" (Opúsculos, I:191) que caracterizam os que desprezam os monumentos. A solução apontada por Herculano é que se crie uma associação que lute me prol da preservação dos monumentos e tenha meios para denunciar os injustamente demolidos bem como os responsáveis por tal acto (Opúsculos, I:200). Os seus esforços foram, de resto, recompensados já que, em 1840, foi constituída a Sociedade Conservadora dos Monumentos Nacionais e, anos mais tarde, nasceria uma associação de defesa do património - a Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses (1863). Pela criação de semelhante associação pugnaria, em 1854, John Ruskin, numa das suas famosas incursões contra a destruição de monumentos na Europa, especialmente em Inglaterra, na Itália e na França. Ruskin defende assim que
An association might be formed, thoroughly organised so as to maintain active watches and agents in every town of importance who, in the first place, should furnish the society with a perfect account of every monument of interest in its neighbourhood, and then with a yearly or half-yearly report of the state of such monuments, and of the changes proposed to be made upon them (XII:431)
À semelhança de Herculano, Ruskin instigou os seus contemporâneos a agir e a sair da passividade que autorizava a destruição do espólio nacional. No entanto, só vinte e três anos após tal apelo foi formada, por William Morris, The Society for Protection of Ancient Buildings de que Ruskin seria membro. O seu apelo não foi, pois, de modo algum, vão.
A principal diferença no que respeita à acção levada a cabo em prol do património, entre Ruskin e Herculano, reside no facto deste último abordar o assunto em várias frentes. Assim, ao mesmo tempo que textos de maior fôlego eram consagrados a descrever com minúcia as consequências graves resultantes da destruição do património nacional, em O Panorama iam sendo divulgados os textos que mais tarde viriam a constituir as Lendas e Narrativas. Ora, em tais narrativas, corria vivaz a mensagem de Herculano em prol dos monumentos. Assim, n'O Castelo de Faria, publicado em 1838 em O Panorama, encontramos desde logo a descrição seguinte:
Este antigo castelo tinha recordações de glória. Os nossos maiores, porém, curavam mais de praticar façanhas do que de conservar monumentos delas. Deixaram, por isso, sem remorsos, sumir nas paredes de um claustro pedras que foram testemunhas de um dos mais heróicos feitos de corações portugueses (Lendas, I:191)
É, talvez, porém, n'A Abóbada, publicada em O Panorama em 1839, que encontramos prova inequívoca do amor de Herculano pela pátria. Assim, o inflamado discurso do mestre Afonso Domingues, reclamando para um Português a construção do mosteiro da Batalha e condenando que tal empresa seja confiada a mestre Ouguet cuja alma "não é aquecida à luz do amor pela pátria" (Lendas, I:212), torna-se um veículo apropriado para lançar em rosto dos leitores a importância do legado dos seus antepassados à qual têm fechado os olhos. A esta luz se compreende igualmente o comentário de Herculano em Arras por Foro de Espanha, cuja publicação se inicia em O Panorama em 1841, sobre Santa Maria Maior: "Como as da igreja, as ruínas da monarquia dormem em silêncio à roda de nós, e, envolto nos seus eternos farrapos, o povo vive eterno em cima ou ao lado delas, e nem sequer indaga porque jazem aí" (Lendas, I:76). Para combater a passividade da sua geração no que respeita a salvaguarda do seu espólio cultural Herculano não se furta igualmente a explicar, em termos gerais, a importância dos monumentos do passado no presente e no futuro. Assim, em "Duas Épocas e Dois Monumentos ou A Granja Real de Mafra" Herculano defende que:
Um grande edifício, fosse qual fosse o destino que seu fundador lhe quisesse dar, é sempre e de muitos modos um livro de história (...) Os castelos, os templos, e os palácios, tríplice género de monumentos que encerra em si toda a arquitectura da Europa moderna, formam uma crónica imensa, em que há mais história que nos escritos dos historiadores (Opúsculos, II:139)
Tal afirmação parecerá, talvez, banal ao leitor do nosso século; tratou-se, porém, de uma necessária chamada de atenção aos contemporâneos do romancista que, na generalidade, ou se confinavam um estado de profunda letargia ou se compraziam na destruição dos monumentos que lhes tinham sido legados. Na Introdução de O Monge de Cister Herculano retrata com minúcia estes últimos ao apontar para o "descrer brutal" do seu século "que a história distinguirá pelo epíteto de bota-abaixo e cujo legado monumental para os séculos que virão após ele será um cemitério imenso" (Monge, I:17). Para contrariar a destruição reinante o romancista dá a lume uma obra em que Lisboa surge rejuvenescida e plena de vida, reconstruindo "em imaginação" os monumentos que já não existem. E embora sabendo, de antemão, a enormidade da tarefa que meteu a ombros, demonstra, uma vez mais, ser dotado de invulgar persistência sempre que está em causa pugnar pelo desenvolvimento do seu país.
No seu tempo Herculano nunca foi devidamente compreendido e o vigor da sua mensagem não foi, por vezes, suficiente para abalar preconceitos estabelecidos ou ameaçar a ordem instalada. Continua, porém, a merecer atenção o seu entusiasmo pelo causa pública e a forma desinteressada com que se entregou ao seu labor. Ruskin foi igualmente incansável na sua luta em prol da preservação do património do seu país. A sua acção, à semelhança de Herculano, não foi tão bem sucedida quanto o autor vitoriano almejava. Mas a forma desassombrada como apontou, em múltiplas ocasiões, os males que corroíam a sociedade sua contemporânea é hoje considerada uma das mais importantes acções levadas a cabo no seu século.
3. Passado(s) na Primeira Pessoa
Se é certo que Ruskin se bateu ferozmente pela preservação dos tesouros patrimoniais do seu país, destacando a importância de resguardar o passado da avidez de progresso dos Homens da sua geração, não é menos importante a forma como equaciona o seu espólio de recordações. Nesta secção procurarei, pois, apreciar a forma como Ruskin lida com o seu passado enquanto herança pessoal e quais as consequências da sua abordagem quer no que respeita à obra criada, quer ao nível das expectativas do leitor.
a) O Passado Presente e o Ideal sonhado
Ruskin escolhe duas formas de (re)visitar o seu passado: através de fragmentos autobiográficos entretecidos em Fors Clavigera: Letters to the Workmen and Labourers of Great Britain (1871-1884) e através da sua autobiografia, Praeterita, sugestivamente subintitulada Outlines of Scenes and Thoughts Perhaps Worthy of Memory in my Past Life4 (publicada em três volumes de 1885 a 1889 e inacabada por motivo de doença). A importância dos fragmentos autobiográficos incluídos em Fors Clavigera foi primeiramente posta em relevo por Finley (1987) a quem não escapou que tais fragmentos muito tinham a dever a uma reflexão paralela levada a cabo por Ruskin em tais cartas - referimo-nos à tentativa (bem sucedida) do autor vitoriano de aí encetar uma breve biografia de Walter Scott. É, pois, através da biografia de Scott que Ruskin começa a ganhar o fôlego necessário para se lançar no projecto ambicioso que Praeterita constitui. Ou seja, tal como aponta Finley, "Ruskin's impulse to autobiography carried him through from Sccott's life to his own, particularly from Scott's youth to his own early life spent among his Scottish family and relatives" (Finley, 1987:550). Ao rever o seu passado em Praeterita Ruskin irá, de facto, seleccionar episódios da sua infância e descrever características da sua família que, por semelhança ou contraste, se relacionam estreitamente com o passado de Scott por si descrito, sobretudo nas cartas trinta e um a trinta e três de Fors Clavigera. Os aspectos abordados por Ruskin nas cartas que dedica em exclusivo à biografia do seu herói podem ser agrupados da seguinte forma:
(a) antepassados de Scott que permitem dar prova de que o autor de Waverley pertence ao que Ruskin denomina de "purest Border race" (565);
(b) infância e juventude de Walter Scott passada em terras Escocesas, predominando o contacto com a natureza,
(c) educação ministrada com zelo pelos familiares de Scott que desde muito cedo privilegiaram a leitura como exercício obrigatório para o futuro romancista. Particular destaque é dado por Ruskin ao papel desempenhado respectivamente pela mãe, avó e tia na educação do seu herói.
Ora são exactamente estes três aspectos que Ruskin utilizará como termo de comparação na sua autobiografia (embora, evidentemente, não o admitindo), considerando-os dignos de menção pela forma como o marcaram ao longo da vida e influenciaram futuras decisões. Assim, se concordamos, como sublinha Walsh (1990:46), não ser por acaso que Praeterita comece e termine com menções a Scott, julgamos serem mais relevantes os momentos em que Scott está explicitamente ausente mas implicitamente presente. Tal acontece sobretudo nos capítulos que Ruskin dedica a rever a educação recebida durante a infância (capítulos I-V) nos quais vai entretecendo a caracterização de membros da família, especialmente os tios e os primos Escoceses, e no capítulo reservado em exclusivo aos pais (capítulo VII). Ao longo dos capítulos I-V Ruskin chama a atenção do leitor para o facto da sua educação, tal como a de Scott, ter ser sido objecto de grandes cuidados por parte dos pais, imperando a disciplina. Por outro lado, graças à vontade do pai, John James Ruskin, de dar a conhecer ao filho o mundo que o rodeava, a família todos os anos partia à descoberta de lugares tão diversos quanto a França, a Bélgica, a Itália e a Suíça.
É, porém, à Escócia e aos seus familiares Escoceses que Ruskin confere maior relevo na sua autobiografia, sobretudo aos tios de Croydon e de Perth (Praeterita, 45-51; 65-67 e 322-323). No último capítulo da sua autobiografia fica, de resto, patente quão a sua relação com a Escócia o marcou durante toda a vida não só pelos momentos de rara liberdade passados com os primos mas também pelo facto de lhe permitir estabelecer um elo mais forte com o seu herói, Walter Scott. Não admira, pois, que se esforce por identificar os seguintes traços comuns a ambos: 1) a paixão pela Escócia; 2) a sensibilidade e gosto pela língua Inglesa e pelos dialectos Escoceses e 3) o gosto apurado pela música Escocesa. Para que tal se torne claro aos olhos do leitor Ruskin descreve com entusiasmo o cenário Escocês e aponta exemplos dos romances de Scott que confirmam quão semelhante é a paixão que os une à Escócia (Praeterita, 437; 443-444); elogia o destaque que Scott confere aos dialectos Escoceses - orgulhando-se de ter aprendido o "old, classic, Galloway Scotch" (Praeterita, 432) - e lamenta que a maioria dos Ingleses desconheça a sua riqueza (Praeterita, 434); chama a atenção para o carácter único da música Escocesa que Scott põe em relevo nos seus poemas e classifica-a como única (Praeterita, 437; 442).
Ao passado da sua infância em que procura encontrar pontos de contacto com a de Scott e à identificação, bem sucedida, de características comuns a ambos, opõe-se a descrição de memórias de uma passado que é doloroso a Ruskin recordar. Assim, o autor vitoriano é sobremaneira amargo em relação ao largo quinhão que a educação religiosa ocupou, desde cedo, nos ensinamentos recebidos. Veja-se, por exemplo, os termos em que descreve a leitura diária da Bíblia:
It is only by deliberate effort that I recall the long morning hours of toil, as regular as sunrise, - toil on both sides equal - by which, year after year, my mother forced me to learn these paraphrases, and chapters (...) allowing not so much as a syllable to be missed or misplaced while every sentence was required to be said over and over again till she was satisfied with the accent (Praeterita, 27-28)
O tom doloroso que acompanha recordações associadas com a disciplina que lhe era impossível não cumprir perpassa também no relato dos Domingos5 em que lhe era vedada qualquer hipótese de diversão, sendo o dia consagrado à reflexão e à missa. Assim, ao contrário de Herculano que, em O Monge de Cister, recorda com saudade os seus "Domingos dos doze anos" em que "o seu espírito infante se harmonizava com o hino eterno da natureza" (Monge, II:34), Ruskin relembra:
I found the bottom of the pew so extremely dull a place to keep quiet in (my best story-books being also taken away from me in the morning) that, as I have somewhere said before, the horror of Sunday used even to cast its prescient gloom as far back in the week as Friday - and all the glory of Monday, with church seven days removed again, was no equivalent for it (Praeterita, 14-15)
Este desalento manifestado em relação a algumas actividades que faziam parte da rotina da sua infância - cuja finalidade principal era prepará-lo para atingir uma posição social elevada - explica, talvez, em parte, que Ruskin sonhe com um passado diferente do seu e expresse tal desejo, múltiplas vezes, ao longo da autobiografia. É, aliás, sintomático que em tais momentos Ruskin atribua, em grande parte, aos pais, a responsabilidade por não terem dado um rumo distinto aos acontecimentos. Assim, ao recordar a primeira viagem que fez com os pais a Wales e o entusiasmo que nele despertou para o estudo dos minerais, Ruskin deixa escapar o quão lamenta a atitude adoptada por John James e Margaret Ruskin em tais circunstâncias:
And if only then my father and mother had seen the really strengths and weaknesses of their little John; - if they had given me but a shaggy scrap of a Welsh pony, and left me in charge of a good Welsh guide, and of his wife, if I needed any coddling, they would have made a man of me there and then, and afterwards the comfort of their own hearts, and probably the first geologist of my time in Europe (Praeterita, 72)
Eata análise de Ruskin é sobremaneira exagerada se tivermos em conta o esforço levado a cabo pelos pais para que o filho granjeasse mérito junto dos seus contemporâneos. No entanto, do ponto de vista de Ruskin, o que poderia ter acontecido se lhe tivessem facultado a independência que irá reclamar durante quase toda a sua vida abre espaço a um passado sonhado que, momentaneamente, o convida a visualizar um outro futuro. Ruskin não considera apenas que os pais constituíram um obstáculo a que fosse um geólogo de renome; atribui-lhes, também, igual responsabilidade no que concerne a sua felicidade no plano amoroso. De facto, em Praeterita, Ruskin relembra como o encanto que lhe proporcionou a breve visita de Charlotte Withers foi irremediavelmente quebrado pelos pais, negando-lhe uma felicidade que nunca viria a obter:
If my father and mother had chosen to keep her a month longer, we should have fallen quite melodiously in love, and they might have given me an excellently pleasant wife, and set me up, geology and all, in the coal business, without any resistance or farther trouble on my part. I don't suppose the idea ever occurred to them; Charlotte was not the kind of person they proposed for me (Praeterita, 175)
O passado sonhado por Ruskin é, mais uma vez, por si apontado como colocando-se nos antípodas dos planos dos pais; a sua atitude, porém, não deixa de ser ambivalente: os pais são condenados por exercerem a sua vontade mas não há qualquer esforço de responsabilização individual, da sua parte, pelo facto de não ter tomado nenhuma atitude que alterasse a situação, convertendo-a a seu favor. Pensamos que os dois exemplos apontados6 mostram com clareza o posicionamento que Ruskin constantemente adoptou ao longo da vida em relação à sua felicidade pessoal, i.e., nunca teve coragem de tomar as rédeas do seu destino. Paradoxalmente Ruskin sempre instigou os eus contemporâneos a lutarem em prol da felicidade a que tinham direito e a perseverarem nos seus intentos. O que a autobiografia deixa, porém, a nu, é a sua dificuldade extrema em lidar com um passado que o aprisionou e que continua a ser motivo de insatisfação pessoal; neste sentido, o mérito que alcançou através da sua obra nunca teve o poder suficiente para afogar as lágrimas de um passado perdido. É o que transparece na auto-análise que, por entre recordações, faz de si próprio: "Some of me is dead, more of me stronger. I have learned a few things, forgotten many; in the total of me, I am but the same youth, disappointed and rheumatic." (Praeterita, 174).
b) O Passado Ausente
Esta breve viagem pela autobiografia de Ruskin ficaria irremediavelmente incompleta sem a referência a dois importantes marcos da vida do autor vitoriano: a sua paixão por Rose La Touche e o casamento com Effie Gray o qual não é, de todo, mencionado em Praeterita. É certo que esta parte do seu passado que Ruskin opta por omitir é um passado doloroso; e, no prefácio da autobiografia, o autor comunicara a sua intenção de condenar a "total silence things which I have no pleasure in reviewing, and which the reader would have no pleasure in reviewing, and which the reader would find no help in the account of"(Praeterita, 3). É relevante, todavia, tentar descortinar o modo como a relação que Ruskin estabeleceu com estas duas mulheres tem considerável impacto na forma como o autor se revê e como o público o vê.
O encanto por Euphemia Gray não durou muito: casaram a dez de Abril de 1848 e em 1854 o casamento foi anulado por não ter sido consumado. No entender de Batchelor (2000), autor de uma das mais recentes biografias do génio vitoriano, a explicação para tal fracasso é relativamente simples: a pressão exercida pelos pais contribuiu para o desequilíbrio emocional de Ruskin, impedindo-o de alcançar a felicidade pela qual lutou sem qualquer sucesso. Sentindo que falhou no seu casamento e que tal insucesso contribuiu para desapontar (e humilhar) os pais Ruskin apaga a referência do seu passado. O público continua hoje a especular acerca do fracasso matrimonial de Ruskin, considerando-o exótico.
A paixão de Ruskin por Rose La Touche é, por seu turno, um dos episódios mais conhecidos da sua vida, tendo recentemente sido caracterizado por Hilton (2000) como a relação que mais marcou o autor vitoriano a partir de 1850. Em Praeterita Ruskin menciona apenas dois pormenores acerca de Rose La Touche: o momento em que a conheceu (1858) e a primeira carta que ela lhe escreveu (Praeterita, 416-417). O vivo retrato que dela pinta é uma singela homenagem ao amor trágico que nele despertou uma criança com dez anos à qual viria a propor casamento oito anos mais tarde. A morte de Rose poria, de resto, fim, a tal paixão. A breve menção a Rose La Touche permite, pois, apenas vislumbrar uma das mais importantes parcelas do passado do autor vitoriano; mas, dada a sua habitual relutância em revelar as sua emoções (Fellows, 1975:175), pensamos ser esta uma ocasião a assinalar no percurso através do qual Ruskin nos vai (des)orientando em Praeterita. Parece-nos pertinente, neste contexto, o juízo que Coetzee (1984) emite acerca dos que escolhem partilhar connosco as suas memórias: "An autobiographer is not only a man who once upon a time lived a life in which he loved, fought, suffered, strove, was misunderstood, and of which he nows tells a story; he is also a man engaged in writing a story" (Coetzee, 1984:5). Enquanto leitores resta-nos, talvez, aceitar o desafio lançado pela história contada e embrenhar-nos em factos e ficções que, afinal, constituem a trama de tantos passados que teimam (re)visitar momentos do presente e não se acanham em prolongar-se futuro adentro.
Conclusão
Herculano e Ruskin gozaram de considerável prestígio no seu tempo e revelaram possuir um notável espírito combativo . A sua pena desenhou com vivacidade os caracteres com que combateram em prol da pátria e nem um nem outro temeu lançar em rosto dos adversários as verdades que não conseguiam calar. Embora em circunstâncias diferentes, ambos procuraram instigar os seus contemporâneos a ver o passado como fonte de ensinamento para um presente caracterizado por convulsões sociais e políticas.
Nunca encarando o passado com uma nostalgia perniciosa Herculano clamou por mudança, dando alento aos seus contemporâneos para que fossem obreiros de uma sociedade mais justa. Olhando o passado com perspicácia, procurou estabelecer um diálogo frutífero com os leitores, sugerindo-lhes que lançassem mão da sua boa vontade e se transformassem em guardiões da História.
Ruskin lutou pela mudança no seu país, oferecendo aos seus leitores matéria de reflexão sobre a urgência de preservar o espólio nacional e de legar tal tesouro às gerações vindouras. Insistindo na irreparável perda das tradições Inglesas, sobretudo no respeitante ao património arquitectónico, Ruskin raramente perdeu a oportunidade para intervir nos destinos da sua pátria. A sua forma de lidar com a sua bagagem de memórias, misto de ficção e realidade, pode também ser encarada como um testemunho do carácter do homem obstinado que jamais soçobrou diante de dificuldades e colocou, acima de tudo, a pátria.
Links sobre o tema:
1- http://ppresente.wordpress.com/
2- http://ppresente.blogspot.com/
3- http://ajudaemocional.tripod.com/rep/id34.html
4-www.louramvi-spa.bogspot.com
5-http://www.citador.pt/pensar.php?op=9&theme=182
4- BIBLIOGRAFIA DE ERIC HOBSBAWM
Eric Hobsbawm nasceu em 1917 em Alexandria no Egito, e desenvolveu seus estudos em Viena, Berlim, Londres e Cambridge. Fellow da British Academy e da American Academy of Arts and Sciences, professor visitante em diversas universidades da Europa e da América, lecionou até aposentar-se no Birkbeck College, da Universidade de Londres. Desde então ensina na New School for Social Research, em Nova York. Escreveu, entre outros, A Era do Capital, A Era dos Extremos, A Era das Revoluções, A Era dos Impérios, Os Bandidos, Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo, Rebeldes Primitivos, O Breve Século XX 1914-1991, e Ecos da Marselhesa, todos publicados no Brasil.
Um dos últimos trabalhos de um dos mais respeitados historiadores marxistas ainda vivo, este livro na verdade é uma coleção de ensaios publicados pelo autor, muitos dos quais ainda inéditos, onde Hobsbawm analisa o significado e os compromissos envolvidos na tarefa da escrita da história.
Com clareza e erudição, Hobsbawm, refletindo o papel do historiador, analisa problemas pertinentes para atualidade como a indefinição das identidades nacionais na Europa e o uso ideológico do discurso histórico naquela realidade.
O livro ainda analisa o legado de 150 anos do Manifesto Comunista, a herança de Marx aos historiadores, a revolução bolchevique, as relações entre história e economia e a noção de progresso no conhecimento histórico, entre outras questões.
terça-feira, 11 de setembro de 2007
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